No Rio de
Janeiro - década de 1950 - era muito comum faltar – ter racionamento – de água
e de energia elétrica. Tinha até uma marchinha de carnaval que dizia em versos
esse drama: “Rio de Janeiro, cidade que me seduz de dia falta água e de noite
falta luz”. Letra e música de Anjos do Inferno – 1954.
O Morro
da Providência era, na minha infância, ouvia-se dizer, reduto de pessoas boas e
más, e pelas más, falava-se que a polícia não subia e os bandidos não desciam.
Logicamente era pura lenda, mas a polícia realmente não tinha um acesso nada
tranquilo naquelas paragens.
A
pedreira São Diogo, desativada, foi palco, apesar do solo altamente pedregoso, de peladas
que a meninada disputava, com bola de borracha ou de meia²³ com ânimo de quem
corre atrás da pelota oficial em gramado de finíssimo trato. A escada da vertente norte, era local adequado para empinar pipa. E assim foi até praticamente os meus 17 anos. Entre outras
brincadeiras o pique esconde era muito desfrutado na pedreira abandonada.
Da sacada do prédio em que eu morava dava para avistar o lado da Pedreira São Diogo e a igrejinha que ainda existe no alto do Morro. A impressão que dá é de que a igreja está na beira do penhasco. E está muito próximo!
Da sacada do prédio em que eu morava dava para avistar o lado da Pedreira São Diogo e a igrejinha que ainda existe no alto do Morro. A impressão que dá é de que a igreja está na beira do penhasco. E está muito próximo!
O Morro
da Providência, de um lado e o Bairro da Gamboa de outro eram lugares pouco
hospitaleiros para pessoas estranhas àquelas paragens, os homens desconhecidos que
por ali transitassem podiam ser confundidos com policiais espionando as bocas³³.
Mulheres e homens que por ali vagassem e que não fosse em busca de algum
parceiro ou para adquirir droga, logo eram acompanhados de perto ou
escorraçados da área.
Foto do Morro da Providência Lado da Pedreira São Diogo em 2016 - autoria de J.Vicente
Contíguo
à Providência se situa o Morro da Conceição, também chamado de Morro do
Livramento, mais perto da Praça Mauá, era um local que se tornou histórico,
porque possuía, nas proximidades da Ladeira João Homem, uma praça onde nos
tempos mais remotos do Rio de Janeiro eram leiloados os escravos que costumavam
chegar aprisionados da África, ao cais do porto, nos navios negreiros.
Todo
aquele sítio histórico e mais as escadarias do Valongo se transformaram
na área de lazer da meninada, inclusive eu, que ia jogar futebol nas
adjacências da Rua do Jogo da Bola e correr e brincar de esconder nos
jardins junto às íngremes e perigosas escadarias do Valongo.
Escadaria,
Jardins e museu do Valongo (casarão amarelo), em 2016, após passar por reformas.
Foto da
Escadaria do Valongo em 2016 - autoria de J.Vicente
Não podia
deixar de citar tais fatos, tendo em conta que, carioca, cuja infância e
adolescência vivenciadas naqueles sítios históricos tão importantes da cidade,
hoje querendo enfatizar toda a poesia de determinados locais e destas fases da
minha vida e história, ouso discorrer sobre o quanto naquelas oportunidades não
percebia o valor real dos ambientes e atmosfera desfrutados.
O lirismo
dos envolvimentos físico, lúdico e emocional contagiantes nos quais mergulhavam
meninos e meninas com os quais praticava todas as brincadeiras próprias da
faixa etária não nos permitiam alcançar o conteúdo de outras relevâncias.
A
cabulações de aulas que não comprometiam o aprendizado de alguns, outros nem se
importavam com o desempenho escolar, mas faziam questão de participar da
verdadeira festa e recuperavam ou não posteriormente.
No Morro
da Conceição, Escadaria do Valongo Rua do Jogo da Bola, Ladeira João Homem e
outros tantos locais praticávamos nossas brincadeiras, bola de meia, bola de
gude, pipa, pique esconde, e outras que se não existissem inventávamos –
imaginem; ali naqueles locais eram onde circulavam escravos e mercadores de
escravos em busca dos leilões dos que desembarcados dos navios negreiros eram
levados para serem vendidos – a meninada nem se ligava nesses
fatos, sequer sabiam da carga de energia que aquele solo portava e quanto
sofrimento teria testemunhado.
Morro da Conceição – subida pela Rua do Acre (proximidades da Pça Mauá) - RJ - 2016
“ Na Ladeira do Livramento, morro do mesmo nome, número 77, a história se transforma em ruínas. A casa onde o escritor Machado de Assis nasceu e morou até os 6 anos virou um cortiço, que se deteriora com o tempo. Seis famílias se espremem no imóvel, que, apesar do valor cultural, não é reconhecido pela Prefeitura do Rio como o local onde um dos maiores literatos do país passou parte da sua infância.” Aliás só de poucos anos para cá os mandatários políticos do Rio de Janeiro se deram conta do valor histórico da área central do local e criaram o Porto Maravilha entre outras atrações turísticas que ali foram instaladas.
A finalização do passeio acontece na Pedra do Sal, que recebe esse
nome pois é a rocha onde os escravos descarregavam o sal que chegava do cais do
porto. Com forte influência cultural dessa época, somada a cultura de
estivadores que ali se reuniam após o expediente para rodas de samba, o local
é considerado o berço do samba carioca – a Pedra do Sal deu origem aos
primeiros ranchos carnavalescos, afoxés e pontos ritualísticos na metade do
século XIX. Até hoje o local reúne, principalmente nas segundas e sextas,
frequentadores que fazem as tradicionais rodas de samba, tornando o local
destino de muitos turistas e moradores que procuram diversão com o samba de
raiz. Nos arredores barracas e bares mantém a tradição de reunião de amigos com
alguma influência da culinária da época dos escravos, como o famoso Angu do
Gomes que tem como prato principal o angu que era a alimentação base dos
escravos.
Um passeio bem interessante do ponto de vista histórico e
cultural, que vale ser feito acompanhado por um anfitrião frequentador do local
e com muitas histórias interessantes para contar.
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